Dengue e chikungunya: Brasil tem alta de casos de infecção com os dois vírus ao mesmo tempo

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Se não bastasse o crescimento de casos de dengue e chikungunya no Brasil, os casos de infecção simultânea pelos dois vírus, uma condição que se considerava rara, tiveram um aumento tão expressivo que surpreendeu cientistas. Uma análise de vigilância genômica e epidemiológica de arboviroses (doenças transmitidas por mosquitos) realizada no país revelou que os casos de chikungunya aumentaram sete vezes e os de dengue, três vezes, em 2023 em relação a 2022.

Porém, o que impressiona é a taxa de 11% de casos de pessoas infectadas ao mesmo tempo em Minas Gerais pelos dois vírus, percentual considerado muito alto e cujas causas e consequências ainda não são bem conhecidas.

O coordenador do estudo, Renato Santana, pesquisador do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que as taxas de coinfecção no Brasil, em ocasiões em que aconteceram picos de dengue, chikungunya e zika, ficaram em 2%.

— O que observamos este ano de fato é uma taxa elevada — ressalta Santana.

Nos casos de coinfecção por dengue e chikungunya, a primeira parece levar a melhor na batalha para dominar o corpo da pessoa infectada. A carga viral (a quantidade de vírus) do vírus da dengue é maior nesses pacientes. Uma possibilidade é que os vírus da dengue consigam interferir na replicação do vírus chikungunya. Mas, por ora, tudo isso é hipótese. Os pesquisadores farão estudos em modelos animais para ver se há alteração nos sintomas, se existe interação entre os vírus e em que medida isso altera o quadro clínico.

No entanto, pesquisas realizadas por cientistas da Índia, país com grande incidência de ambas as doenças, mostram que a febre é um denominador comum. As dores nas articulações afetam cerca de 80% dos pacientes com ambos os vírus. E mais de 70% sofrem baixa nas plaquetas sanguíneas (trombocitopenia).

O estudo brasileiro foi realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Laboratório Hermes Pardini/Grupo Fleury e analisou 62.000 diagnósticos de síndromes febris, realizados em 2022 e 2023. As amostras representam todas as regiões do país e vieram dos estados de 14 estados, incluindo os quatros mais populosos, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

Combate ao mosquito
Puxado pelo clima favorável ao mosquito e a redução das medidas de controle durante os anos da pandemia de Covid-19, 2023 já se tornou um dos piores anos do combate a dengue. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem feito seguidos alertas de que a dengue pode virar pandemia.

As Américas, a Ásia e a África registram aumento expressivos de casos. Até o fim do primeiro semestre, a OMS registrou mais de três milhões de casos no mundo, sendo o Brasil, a Bolívia, a Argentina e o Peru os países mais afetados. Com isso, os casos nas Américas já superaram os de 2022.

O combate se limita fundamentalmente ao controle do mosquito. Não existe tratamento específico para a dengue. E a vacina

Ainda assim, a Qdenga chegou a uma eficácia global de 80,2% um ano após a segunda dose, quando comparados os resultados de quem tomou o imunizante e quem tomou placebo. Ela também reduziu as hospitalizações em 90%. Mas por enquanto está disponível só na rede privada.

A maior dificuldade de combater a dengue é que o vírus tem quatro sorotipos. Como mais de um deles costuma circular ao mesmo tempo, isso provoca uma desordem nas defesas produzidas pelo organismo e pode levar a reações cruzadas.

A Anvisa aprovou em março a Qdengua para pessoas de 4 a 60 anos. Porém, a eficácia geral ainda não é a almejada. Segundo a Anvisa, a eficácia para todos os sorotipos combinados em pessoas que nunca tiveram a doença foi de 66,2%. Para quem já teve dengue foi 76,1%.

Mas ela tem taxas diferentes para cada sorotipo. Contra o vírus 1 (DENV-1) é de 69,8%; contra o 2 chega a 95,1%, mas para o 3 cai para 48,9%. A taxa para o vírus DENV-4 não é bem estabelecida porque a ocorrência de casos durante o estudo foi menor e, assim, não foi possível obter dados estatisticamente relevantes.

E, segundo a Anvisa, “no caso específico do DENV-3, o resultado de eficácia para indivíduos soronegativos não se mostrou satisfatório.”

Fonte: Folha PE